1º artigo_ A Beleza na Escuridão - Rafael.inddA Beleza na escuridão: um “olhar” sobre |
a experiência de consumo por mulheres deficientes visuais em serviços de beleza e estética |
Beauty in darkness: a “look” on the consumer experience of visually impaired women in beauty and aesthetic services |
Rafael Santos Correa1 |
Marcelo de Rezende Pinto2 |
Georgiana Luna Batinga3 |
Resumo |
Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo investigar o universo dos deficientes visuais, especificamente o de mulheres portadoras de deficiência visual, enquanto consumidoras de serviços de beleza e estética. O estudo qualitativo e de “inspiração etnográfica” fundamentou-se teoricamente nos temas “deficiência visual”, “consumo” e “experiência em consumo de serviços”, visando descobrir os aspectos simbólicos retratados nesses temas e como as mulheres deficientes visuais vivenciam suas experiências e constroem seus significados. Percebe-se, na discussão dos resultados, que o consumo de serviços de beleza e estética é uma espécie de credencial que habilita as mulheres com deficiência visual a viverem normalmente suas rotinas, ao mesmo tempo em que lhes permite externar gostos e estilos próprios, tornando-as visíveis para a sociedade. Essas considerações reforçam a ideia de que cada grupo social tem suas formas de (re)construção e manipulação dos significados, ou seja, o mesmo produto ou serviço pode ter (e sempre tem) significados construídos social e culturalmente de forma diversa. |
1 Mestre em Administração pela PUC Minas. E-mail: rafaelscor@gmail.com |
2 Doutor em Administração pela UFMG. Atualmente é professor do Programa de Pós-graduação em Administração da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail: marcrez@ hotmail.com |
3 Doutoranda em Administração pela PUC Minas. E-mail: georgianaluna@yahoo.com.br |
Palavras-chave: Deficiência Visual. Experiência de Consumo. Teoria da Cultura do |
Consumo. Beleza. |
Abstract |
This work aims to report results of a survey that aimed to investigate the universe of the visually impaired, specifically women who are visually impaired, as consumers of beauty services and aesthetics. The qualitative study and “ethnographic inspiration” theoretically grounded to us visually impaired subjects, consumption and experience in consumer services in order to discover the symbolic aspects portrayed on these issues and how visually impaired women experience their experiences and build their meanings. It can be seen in the discussion of the results that the consumption of beauty services and aesthetics is a kind of credential that enables women with visual disabilities usually live their routines at the same time allowing them showing own tastes and styles making them visible to society. These considerations reinforce the idea that each social group has its own forms of (re) construction and manipulation of meanings, in sum, the same product or service can (and always has) meanings constructed socially and culturally otherwise. |
Keywords: Visual Impairment. Consumer Experience. ConsumerCultureTheory. Beauty. |
1 Introdução |
De início, vale ressaltar que existe uma parcela significativa |
da população mundial que apresenta algum tipo de deficiência. A Organização das Nações Unidas (ONU, 2012) estima que cerca de 10% da população mundial, ou aproximadamente 650 milhões de pessoas, possuem algum tipo de deficiência. Dados expressivos buscam mensurar a amplitude do contingente desses indivíduos no Brasil. Segundo o Censo 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), 23,9% da população brasileira (mais de 45 milhões de brasileiros) declarou possuir algum tipo de deficiência. Desse total, quase 36 milhões, ou mais de 19% da população, afirmaram ser portadoras de deficiência visual em algum grau de severidade. |
Nesse contexto, ganha importância a tentativa de compreensão desses indivíduos como grupo social. Assim, segundo Souza Jr. et al. (2012), no que tange às teorias da sociedade, o contingente populacional |
de deficientes visuais, investigado a partir de suas estratégias de |
relacionamento, agrupamento e aliança, entre outras, pode ser pensado como novos sujeitos coletivos, que, em suas lutas por se fazerem visíveis, inauguram “novos lugares de fala”, “novos espaços sociais de luta”. Isso parece trazer à tona uma questão que aparenta ter sido relegada a segundo plano pelas ciências sociais no entendimento das sociedades modernas – o consumo (DUArTE, 2010). |
Levando-se em conta que o consumo possui também o papel de ceder espaço para a reprodução social de falas e identidades, uma vez que conectam questões de nossas vidas cotidianas com questões centrais de nossa sociedade e de nossa época (SLATEr, |
2002), evidencia-se que o estudo desse grupo seja algo fundamental, por estar inserido em uma sociedade de consumo, cujo funcionamento foi e é todo projetado e articulado na lógica da pessoa não deficiente. De acordo com Sassaki (2003), possibilidades de estudo abrem-se quando são enfocados os consumidores com deficiência, historicamente estigmatizados e relegados à condição de invisibilidade social. Essa é a constatação de Barbosa (2006) quando aponta, com expressivo grau de perplexidade, que muitos grupos sociais no Brasil foram considerados, ao longo de várias décadas, alijados da sociedade de consumo. |
Não dispondo de todos os recursos sensoriais para capturarem os estímulos externos, o deficiente visual recebe uma carga diferente de informações para estabelecer no seu imaginário a relação entre ele próprio e o produto ou serviço que é objeto de seu consumo (DAMASCENA; MElo; BATISTA, 2012). A deficiência visual, talvez mais que qualquer outra deficiência, afeta diretamente o processo de consumo desses indivíduos, por se encontrarem impedidos de acessar os recursos comunicacionais visuais, utilizados amplamente pelas ações de marketing. |
A partir dessas considerações, é bastante óbvia a constatação de que, além do consumo dos produtos tangíveis, os deficientes visuais também são usuários de serviços diversos, como os bancários, de saúde, assim como lazer, entretenimento e os relacionados à beleza e estética. |
É justamente nesse ponto que tende a emergir uma questão que parece |
ter, em sua essência, uma posição um tanto curiosa e contraditória. Se esses indivíduos não possuem o sentido da visão, como são construídas as relações deles com questões envolvendo beleza e estética, bem como o cuidado com o cabelo, com as unhas, com a pele, entre outras? No mesmo sentido, como eles constroem o significado desse tipo de atividade em sua vida cotidiana e no relacionamento com amigos, parentes, vizinhos e entre os integrantes do grupo de deficientes? Ganha vulto, ainda, questões envolvendo os aspectos experienciais desse tipo de serviço, tendo em vista a limitação dos indivíduos no que tange a detalhes relacionados a cores, iluminação, layout dos estabelecimentos, embalagem de produtos e atendimento por parte dos profissionais. |
Diante desse contexto, este estudo se propôs a explorar o universo dos deficientes visuais, especificamente o de mulheres portadoras de deficiência visual, enquanto consumidoras de serviços de beleza e estética, fazendo surgir a seguinte questão de pesquisa: como mulheres deficientes visuais vivenciam suas experiências de consumo em uma perspectiva social e culturalmente construída em serviços de beleza e estética? |
Para galgar o caminho na busca de respostas, optou-se por utilizar uma abordagem etnográfica capaz de captar e retratar de forma mais densa o viés hedônico dessas experiências de consumo (HOLBrOOk; HIrSCHMAN, 1982). Ademais, este estudo agrega-se a outros, no intuito de escrutinar questões envolvendo o consumo de grupos sociais diversos em uma perspectiva social e culturalmente construída no cotidiano dos atores envolvidos. Visão essa que parece estar alinhada com a Consumer Culture Theory (ArNOULD; THOMPSON, 2005). |
2 Revisão da Literatura |
2.1 A abordagem experiencial do consumo |
A abordagem experiencial do consumo foi proposta, inicialmente, |
pelos autores Holbrook e Hirschman (1982), que marcaram a intensa |
presença do dispositivo emocional, atestado por um fluxo de fantasias, |
sentimentos e diversão, na experiência do consumo. Essa associação é traduzida pelos autores como “consumo hedônico”, que designa as facetas do comportamento do consumidor que se relacionam com os múltiplos aspectos sensoriais que podem evocar uma variedade de significados relacionados a gostos, sons, cheiros, impressões táteis e imagens visuais (HOLBrOOk; HIrSCHMAN, 1982). Para a maioria dos consumidores, o produto adquirido é menos importante do que a experiência de compra em si (BENSON, 2000), e, diante disso, a perspectiva experiencial do consumo oferece um campo rico para o desenvolvimento de novos estudos acerca do comportamento do consumidor, principalmente levando-se em consideração os aspectos vivenciais do consumo (HOLBrOOk; HIrSCHMAN, 1982). |
Dentre os diversos significados atribuídos à palavra ‘experiência’, os que possuem maior aderência a este estudo são encontrados nas áreas da Sociologia e Psicologia, que entendem a experiência enquanto uma atividade cognitiva e subjetiva que permite a construção da realidade e, ainda, a sua verificação (BArBOSA, 2006), e da Antropologia e Etnologia, que compreendem a experiência como a maneira pela qual os indivíduos vivem sua própria cultura e, mais precisamente, a forma como os eventos são recebidos pela sua consciência (BrUNEr; TUrNEr, |
1986). Sob esta última perspectiva, a experiência envolve sentimentos intensos que transportam o indivíduo a outra dimensão de sua vida cotidiana, tornando-a singular, possível de ser conhecida pelo outro apenas pela narrativa de quem a vivenciou (BrUNEr; TUrNEr, 1986). Nessa perspectiva, o consumo é concebido como um estado subjetivo da consciência, acompanhado por diversos significados simbólicos. À racionalidade são incorporadas variáveis anteriormente negligenciadas que permitem reconhecer claramente o papel das emoções no comportamento, passando o consumidor a ser compreendido muito mais como um indivíduo de sensações e emoções do que de ação, dando origem ao consumo simbólico e a necessidades de prazer e diversão que vão além do ato da compra, do uso do produto e da escolha da |
marca (ADDIS; HOLBrOOk, 2001). |
A sociologia do consumo (EDGELL et al., 1997) destaca quatro |
formas relativas à experiência de consumo em função do modo de provisão, que não é somente uma questão de mercado, mas são construções a partir de experiências familiares, resultantes de laços familiares, experiências de amizade, relações de reciprocidade dentro de uma comunidade, relações entre os cidadãos e o Estado, e experiências de consumo mediadas pelo mercado. |
Pelo menos três características elucidam o viés experiencial do consumo: o caráter prático e vivencial da experiência, seu traço individual e a concessão de espaço para emoções que são evocadas antes, durante e depois do processo de consumo, fazendo de cada experiência algo único, inesquecível e, ao mesmo tempo, capaz de transformar o indivíduo (ADDIS; HOLBrOOk, 2001). Assim, em um nível abstrato e íntimo, a experiência de consumo implica, indissociavelmente, em pensamentos, sensações es entimentos, como amor, ódio, medo, alegria, tédio, ansiedade, orgulho, raiva, nojo, tristeza, simpatia, desejo, êxtase, cobiça, culpa, alegria, vergonha e temor (HIrSCHMAN, 1984; HOLBrOOk; HIrSCHMAN, 1982), envolvendo emocionalmente o indivíduo ao longo desse processo no qual os aspectos multissensoriais, imaginários e emotivos são extremamente relevantes (BArBOSA, 2006). |
A manifestação de todos os aspectos que formam a identidade do consumo experiencial também pode ser percebida quando no consumo de serviços. Nesse caso, a construção dos sentimentos e percepções verifica-se concomitantemente à prestação do serviço e sofre influência direta do espaço e das interações simbólicas entre cliente e organização (FErrEIrA et al.2006). O próximo tópico discorrerá sobre a importância que o ambiente de serviços tem para o sistema de marketing (CArVALHO; MOTTA, 2000; WILkIE; MOOrE, 1999) e servirá de suporte teórico para o objeto do estudo em questão. |
2.2 A abordagem experiencial do consumo de serviços |
De acordo com Barbosa, Farias e kovacs (2008), uma experiência |
de consumo de serviços é o resultado da participação do consumidor em |
uma série de atividades vivenciadas dentro de um contexto representado |
pelo espaço físico, organização dos produtos, envolvimento de vários atores, regras e procedimentos estabelecidos para as interações sociais (GUPTA; VAJIC, 2000). E para se entender essa experiência em profundidade, é necessário conhecer o consumidor, suas expectativas construídas antes do consumo e os significados atribuídos às experiências vividas e lembranças armazenadas de sua experiência, seja ela com viés utilitário, extraordinário ou hedônico (BArBOSA; FArIAS; kOVACS, 2008; HOLBrOOk, 2000). |
Um dos autores precursores a chamar atenção sobre a importância do ambiente para se criar uma experiência diferenciada no consumo de serviços foi kotler (1973), que propôs a transformação do espaço de venda em um lugar de experiência, capaz de encantar o consumidor e exercer influência sobre o seu comportamento de compra, ao se cuidar de cada aspecto do ambiente: decoração, mobília, música, aromas, entre outros. Em seguida, Bitner (1992) ampliou o conceito de kotler (1973) e afirmou que o ambiente é percebido holisticamente pelos clientes e funcionários como uma combinação de três dimensões: ambiental; layout espacial e funcionalidade; e sinais, símbolos e artefatos. Cada dimensão pode afetar separadamente ou em conjunto o comportamento do cliente e do funcionário, à medida que os estímulos ambientais geram respostas internas que influenciam o comportamento e a interação. Para Bitner (1992), as respostas ou reações dos consumidores, podem ser divididas em três grupos: respostas cognitivas, respostas emocionais e respostas físicas. Ele propôs também o modelo service scape, que, embora não tenha sido concebido na perspectiva experiencial, foi um dos primeiros modelos a abordar a experiência de consumo de serviços. |
Para Carvalho e Motta (2002), uma experiência de serviço ocorrerá quando um consumidor tiver alguma sensação ou aquisição de conhecimento resultante de um nível de interação com diferentes elementos de um contexto. Existem duas perspectivas relacionadas à experiência de consumo do serviço: a primeira está relacionada à determinação das características físicas do ambiente onde o serviço é oferecido, que assume papel fundamental na construção da experiência, |
não caracterizado somente como um ponto de passagem necessário |
à aquisição de bens/serviços, mas transformado em vetor de atração, retenção, fidelização (BArBOSA, 2006) e, principalmente, realização de clientes (BArBOSA, 2003 apud PETr, 2006). Os ambientes ou cenários de serviços sonhados pelos consumidores são aqueles em que os consumidores protagonizam a história, tendo à sua disposição todos os estímulos necessários para manter-se no foco da situação de consumo (CArVALHO; MOTTA, 2002). A segunda perspectiva está relacionada a determinar as características da atmosfera da experiência, algo que é complexo de se definir, por ser extremamente subjetivo (HOLBrOOk; HIrSCHMAN, 1982) e por sua criação depender do apoio dos códigos sociais e atributos simbólicos compreendidos e compartilhados pela maioria das pessoas (SOLOMON, 1983). |
De acordo com Arnouldet al. (2002) e Caru (1996), a experiência do consumo de serviço pode ser dividida em quatro etapas: a) a experiência pré-consumo, que envolve desde o momento que o consumidor é despertado pelo interesse em algo até as etapas de planejamento, sonho, previsão ou projeção da experiência; b) a experiência da compra, momento em que o consumo propriamente dito está acontecendo e que envolve o encontro direto com o serviço e o ambiente; c) os componentes essenciais da experiência de consumo, incluindo sensação, saciedade, satisfação/insatisfação, irritação e transformação; d) pós-consumo, que traz à memória do consumidor as lembranças da experiência vivenciada no consumo e se apresenta como uma experiência nostálgica, que leva o consumidor a reativar a memória da experiência vivida por meio de fotos, vídeos, relatos compartilhados com amigos, entre outros. |
Cumpridas as quatro etapas do consumo de serviços, apesar de existir no processo de consumo de serviços componentes experienciais e não experienciais, a estratégia do produtor deverá ter sempre como objetivo o enriquecimento do componente experiencial. Carú e Cova (2003) exemplificaram esse conceito representando-o na Figura 1, que amplia o significado do conceito de experiência de consumo proposto no Marketing Experiencial. |
Figura 1: A Experiência de Consumo |
Fonte: Adaptada de Carú e Cova (2003) |
Os referidos autores se pautaram em diferentes sentidos da provisão (mercado e sociedade) e nos diferenciados níveis de intensidade da experiência (ordinária e extraordinária), colocados ao longo de dois eixos, o primeiro definido como um continuum entre o ordinário e o extraordinário, e o segundo entre o consumidor (mercado) e o consumo (a sociedade). |
Para o indivíduo interpretar a experiência como extraordinária, é preciso, antes de qualquer coisa, que exista uma inter-relação entre o que é ofertado e a vivência desse indivíduo durante o processo de aquisição de um serviço (BArBOSA, 2006). Uma questão central nesse processo de construção da experiência extraordinária é a subjetividade do indivíduo ao realizar suas interpretações do contexto do consumo, dado que as diferenças simbólicas e culturais entre os indivíduos determinam (antes mesmo da decisão de compra) modos particulares de (re)produzir e (res)significar esse ato dentro de uma ordem cultural e social estabelecida. Nesse sentido, rocha (2000) afirma que, além de serem marcadas pelo seu caráter utilitário, as práticas de consumo são sociais, e seu uso, tanto simbólico quanto concreto, é sempre social, e nele nada se criará ou se fruirá que não tenha por substrato a significação pública. |
3 Procedimentos Metodológicos |
O presente estudo realizou uma pesquisa exploratória, alinhada |
a uma abordagem interpretativista, que se revela flexível e versátil por natureza, para a compreensão e desenvolvimento de temáticas que ainda estão se consolidando no meio acadêmico, caso deste estudo. Para a coleta dos dados, utilizou-se a observação participante, de inspiração etnográfica que consiste no processo de observar, participar e entrevistar o “nativo” em suas condições reais de existência. Ela abre espaço para a compreensão e explicação dos diferentes valores que estão por trás das práticas de consumo e dos papéis, funções e significados mutáveis a que são submetidos os produtos e serviços no momento em que saem da loja na mão dos consumidores e penetram em seu mundo cotidiano. A etnografia oferece aos estudos de marketing a consciência da importância da compreensão da lógica e dos valores atribuídos aos produtos e serviços, aos novos usos que lhes são conferidos e às práticas a que estão submetidos, e mostra como tudo isso se encontra inserido na vida cotidiana dos consumidores (BArBOSA, 2003). |
A imersão foi realizada no Instituto São rafael, instituição de ensino inaugurada nos anos 1950, ligada ao Governo do Estado de Minas Gerais e localizada na cidade de Belo Horizonte. O Instituto conta atualmente com cerca de 380 alunos de todas as idades, portadores de cegueira total, baixa visão e problema visual associado a outros tipos de deficiência, local onde o pesquisador trabalhou como voluntário, ensinando informática aos alunos do instituto, três vezes por semana, no período de seis meses. Durante a pesquisa, foram realizadas anotações no diário de campo, entrevistas em profundidade e alguns registros fotográficos. |
o corpus deste estudo foi formado por 12 mulheres na faixa etária entre 17 e 61 anos de idade, deficientes visuais, das quais sete foram adquiridas e cinco, congênitas, alunas do Instituto São rafael, frequentes às aulas de informática. A escolha das entrevistadas ocorreu por conveniência e disponibilidade delas em participar da pesquisa. As |
entrevistas foram todas presenciais, agendadas previamente e tiveram |
a duração média de 50 minutos cada. |
A análise de conteúdo deste estudo foi fundamentada a partir da apreciação dos textos resultantes da transcrição das entrevistas. Segundo Bardin (2004), a análise de conteúdo compreende um conjunto de técnicas de análise capaz de elucidar o teor das representações. Para Silva, Gobbi e Simão (2005, p. 74), “aparece como uma ferramenta para a compreensão da construção de significado que os atores sociais exteriorizam no discurso”. Para suportar a análise de conteúdo, foi utilizado o software Atlas.ti, que consiste em um programa projetado especificamente para a análise dos dados qualitativos, embora também possa ser utilizado em outros tipos de pesquisa. |
Para cada categoria revelada na análise das entrevistas, foi dedicada uma seção específica para a melhor compreensão dos aspectos relacionados à vida da mulher deficiente visual enquanto consumidora de serviços de beleza e estética e do sistema simbólico existente por detrás desse fenômeno. |
4 Resultados e discussão |
Emergiram dos dados sete categorias: “deficiência visual”, “vida |
em sociedade”, “o deficiente visual enquanto consumidor”, “experiência em serviços de beleza e estética”, “aspectos hedônicos da experiência em consumo de serviços de beleza e estética”, “beleza e estética: significado” e “deficiência visual, cultura e consumo”. Vale ressaltar que as duas primeiras categorias, apesar de não possuírem relação direta com a questão de pesquisa, servem para contextualizar as questões que serão aprofundadas nas outras categorias. |
Deficiência visual |
Torna-se evidente ouvir os depoimentos que traduzem a relação |
estabelecida com a deficiência visual, construídos e definidos na concepção do próprio sujeito. Os depoimentos convidam as pessoas que |
enxergam a descobrirem o “mundo” do deficiente visual, principalmente |
porque esta tem sido pensada unicamente pela falta e pela incapacidade. Isso é evidenciado na admiração das pessoas ao se depararem com algumas habilidades cotidianas desses indivíduos, como pontuado por Cilene, uma jovem estudante de 26 anos que possui cegueira congênita. |
Meus pais nunca me restringiram de fazer nada. Eu fui |
criada em chácara, eu subia em pé de árvore, andava de bicicleta em rua deserta. (Cilene) |
O espanto e a descrença parecem ainda maiores quando se tratam |
da formação e práticas profissionais, como quando se escuta o relato da Jaqueline, com 31 anos, mãe e estudante universitária. Sua rotina releva plena autonomia na condução de sua vida, sendo capaz de arrumar sua filha para ir à escola, trabalhar e frequentar uma universidade à noite. rotina que para muitos poderia ser considerada “pesada”. |
Eu levanto, arrumo minha filha para ir para aula. Às |
vezes descanso um pouco, às vezes eu vou fazer alguma atividade da faculdade. Por volta de 8h eu saio de casa e vou trabalhar. retorno às 15h, almoço e faço algumas atividades da faculdade, algumas atividades de casa, e por volta das 17h saio para a PUC e só retorno às 23h. Esse é o meu dia a dia. (Jaqueline) |
Vários relatos de histórias de vida incluem lembranças e |
sentimentos que vieram à tona durante as entrevistas: alegria, medo, orgulho, raiva, tristeza, entre outros. A presença da deficiência visual marca suas trajetórias, delineando uma postura de vida assinalada pela forte presença do sentimento de autoafirmação, passando a viver com a missão de provar todos os dias que são capazes, para si e para os demais. |
Vida em sociedade |
Esta seção abre um parêntese relevante para a questão |
da sociedade e sua relação com os deficientes visuais, marcada principalmente pela ignorância e preconceito. O tema do preconceito |
percorreu todos os discursos. Viver em uma sociedade pautada na |
supremacia da visão, na qual tudo funciona direcionado para os que enxergam, exige um esforço considerável, até em atividades simples, como ir ao cinema, ler os rótulos dos produtos, ler um cardápio de uma lanchonete ou restaurante, pegar um ônibus, atravessar uma avenida, acessar informações escritas, entrar em uma loja para experimentar e comprar uma roupa, ir a um salão de beleza, entre outras, tornam-se um desafio diário. |
ressalta-se também a falta de respeito e cortesia oriundos do preconceito que reforça esse padrão. Isso pode ser comprovado em experiências do cotidiano, como pegar um ônibus, atravessar uma avenida ou ir a uma loja para comprar roupas ou a um salão de beleza. Atividades comuns para a maioria se tornam, por vezes, um tormento, conforme expressam os relatos a seguir: |
[...] quantas vezes a gente tá na calçada aguardando |
uma ajuda e as pessoas passam para lá e para cá. Você fica cinco, dez minutos, parada, esperando uma ajuda, e não vem. Às vezes, demora alguém estar disposto a te ajudar. A maioria, não sei se não aceitam ou se é vergonha. É muito frustrante. (Isabel) |
Os relatos das entrevistadas parecem afirmar que essas pessoas |
vivem e convivem sob o estigma do preconceito, diariamente. Na tentativa de amenizar o preconceito, o cuidado com a aparência física surge na maioria dos discursos como algo que pode minimizar o preconceito e como uma possibilidade de inclusão. Esse cuidado, na concepção delas, tem que ser redobrado, pois funciona como um passaporte para melhorar a “aceitação”. |
O deficiente visual enquanto consumidor |
Em todos os relatos, pelo menos quatro aspectos foram eleitos entre |
as entrevistadas como fatores decisivos na escolha do local para realizar a experiência de compra: qualidade no atendimento (presteza, empatia, cortesia do vendedor), agrupamento de uma variedade de serviços |
oferecidos em um mesmo lugar (por exemplo, escolha pelos shoppings |
centers), facilidade de acesso dentro das lojas (layout, tamanho adequado e disposição dos produtos) e facilidade de locomoção de casa para o local de compra (acessibilidade de ônibus, sinalização, segurança). Esses aspectos são comuns quando se concebe a experiência de consumo de serviços, mas quando mencionados por essas consumidoras, parecem ganhar certo realce, em função da presença de suas limitações. Para Barbosa (2006), as características físicas do ambiente onde o serviço é oferecido assumem papel fundamental na construção da experiência, transformando-o em vetor de atração, retenção e fidelização. |
[...] eles não têm estrutura nenhuma para nada. Não |
[é] só as lojas, é nada, é lugar nenhum. Loja, açougue, armazém, supermercado, é tudo. E o principal é a maneira como eles nos tratam, nos atendem, é um desrespeito total. (Suzi) |
Porque ele [o comércio] não sabe dar a atenção devida ao ponto de chegar e explicar exatamente o que que é. Parece que eles ficam meio receosos: “como é que eu vou tratar esse cliente?”. (Paula) |
A propaganda televisiva e os tutoriais presentes nas redes sociais |
foram citados como as principais fontes influenciadoras de compras, mas nenhuma delas foi capaz de superar a importância da opinião de terceiros no processo de tomada de decisão de compra. É muito comum a presença de uma pessoa (familiar, amigo, vizinho) que acompanha e auxilia nas compras. Mais que auxiliar, em alguns casos, esse acompanhante praticamente realiza a decisão de compra, como no caso de produtos de maquiagem. |
Dentre as preferências por produtos de beleza consumidos por elas, foram mencionados hidratantes faciais, hidratantes corporais, itens de maquiagem, perfumes e produtos para o cabelo (xampu, condicionador, máscaras capilares, cremes sem enxágue, entre outros). |
Houve unanimidade que existe um despreparo evidente do comércio no atendimento aos deficientes visuais. Desde a disposição da |
mobília e dos produtos, atendimento, ausência de rótulos dos produtos |
e etiquetas de roupas escritas em braille, entre outros. |
Experiências em serviços de beleza e estética |
As mulheres entrevistadas realizam suas experiências de |
consumo de serviços de beleza e estética de diversas maneiras: algumas frequentam salão de beleza, outras preferem o atendimento em domicílio, e outras, por razões pessoais, preferem elas mesmas realizarem os rituais de embelezamento. |
Ao frequentarem o salão de beleza, consomem os mais variados itens do cardápio de serviços: corte, depilação, escova, escova progressiva, hidratações, limpeza de pele, luzes, maquiagem para festas, manicure e pedicura, sobrancelha, entre outros. Apesar de as características físicas do ambiente serem fatores preponderantes, como mencionado na categoria anterior, o diferencial se traduz na qualidade do atendimento, como se pode observar nos relatos. |
[...] [n]os salões que eu costumo frequentar, o pessoal já |
está acostumado comigo, então é tranquilo. A cabeleireira que me ajuda é tranquila. Aqui atrás também tem um salão que o deficiente é muito bem acolhido; pessoal sabe lidar conosco. (Aparecida) |
Um dia que ela (profissional de beleza) foi fazer uma maquiagem e me falou das cores dos batons, inclusive eu nem sabia muito em relação às cores que eu tinha lá, ela me falou qual que eu poderia usar à noite, o que eu poderia usar durante o dia. [...] o esmalte, ela que escolheu. Porque, para algumas coisas, a gente fica muito dependente das pessoas. (Luzia) |
A experiência revelada no estudo ressalta a importância do |
atendimento e postura do profissional de beleza que realiza o serviço, assumindo papel definitivo na orientação da escolha do corte, dos tons e cores de tintas para os cabelos e maquiagem. O que torna a experiência única e memorável é a própria experiência em si, que se prolonga por |
um período de tempo, e a sensação de bem-estar é arquivada até a |
próxima ida ao salão. |
Aspectos hedônicos da experiência em consumo de serviços |
de beleza e estética |
O consumo produz experiências cognitivas e sensoriais |
(HIrSCHMAN, 1984), e no caso deste estudo, a experiência se tornará memorável à medida que vierem à tona sentimentos e lembranças capazes de fazer a cliente retornar e viver uma nova experiência. Ao serem questionadas sobre emoções e sentimentos nas etapas de pré- consumo, compra e lembrança da experiência de consumo, as mulheres entrevistadas descreveram com um tom eufórico os diversos estados emocionais ocorridos antes, durante e após o consumo de serviços de beleza e estética. |
Durante os relatos dessas mulheres, ficou claro que a deficiência visual não interfere no processo de consumo, no qual os aspectos multissensoriais, imaginários e emotivos são procurados e apreciados (BArBOSA, 2006). A concessão de espaço para emoções torna cada experiência única, produzindo em seu íntimo uma espécie de renovação do seu “eu”, tornando-as mais mulheres e menos deficientes. |
Percebe-se que sentimento de tristeza e outros que se confundem com infelicidade foram citados quando as mulheres entrevistadas se viram diante da hipótese de serem impedidas, por qualquer motivo, de consumirem serviços de beleza ou estética. Além desses sentimentos, a sensação de que não se está adequada ou preparada para uma ocasião qualquer também se faz presente no consciente dessas mulheres quando se veem diante da mesma hipótese. |
Para uma experiência ser memorável, é necessário, além da criação de sentimentos, o registro da lembrança, que estimulará o consumidor à repetição. Esses relatos possuem aderência ao construto experiencial do consumo, tal como é defendida por Holbrook e Hirschman (1982), e conecta-se também à construção dos significados atribuídos |
aos serviços, ponto que remete aos estudos envolvendo a CCT. Esse |
achado pode levar à conclusão de que existe uma inter-relação, ainda pouco explorada nos estudos do consumo, entre fatores experienciais e culturais. |
Beleza e estética: significados |
O consumo de serviços de beleza e estética consumidos por |
mulheres deficientes visuais assume vários significados que transcendem a própria busca pela boa aparência, como: autoestima, confronto, autoafirmação, felicidade, prazer e reconhecimento. É uma maneira que essas mulheres encontraram de se sentirem percebidas e valorizadas. |
Em outras palavras, a beleza (e o próprio consumo de serviços de beleza e estética), para essas mulheres, é um estado mental, um veículo que cada uma tem para reafirmar sua identidade enquanto mulher e que as habilitam a discutir e provar de modas e tendências, representando assim um universo próprio, dando vazão a seus gostos e estilos de vida representados pelos produtos de beleza que consomem e pela preocupação diária em se manterem belas e bem consigo mesmas. |
Nesse ponto, cabem alguns comentários. Em primeiro lugar, não é escusado afirmar que, embora as deficientes visuais tenham suas limitações físicas para “ver” o mundo, elas não se deixam privar de ter acesso a todos os produtos e artefatos de beleza. Elas parecem estar sensíveis a todas as nuances da moda, incluindo tendências, cores, produtos e artefatos. Isso parece ter aderência ao que é proposto pela CCT, visto que essa corrente teórica busca entender como as manifestações particulares de cultura do consumo são constituídas, mantidas, transformadas e formatadas tanto pelas forças históricas mais amplas (tais como narrativas culturais, mitos e ideologias) quanto pelas específicas circunstâncias socioeconômicas e sistemas de mercado particulares (ArNOULD; THOMPSON, 2005). |
A mensagem da mídia em relação a esse ponto é que o corpo pode ser modificado e ajustado a qualquer momento, por isso, a preocupação |
com a beleza no dia a dia das mulheres. A escolha das cores do esmalte, |
da tintura do cabelo ou do corte, por exemplo, além de dizer sobre a personalidade de cada uma, são recursos utilizados para confrontar o padrão estético do deficiente visual definido pela sociedade. |
Deficiência visual, cultura e consumo |
Por acreditarem que a cada experiência de consumo exista |
uma nova (res)significação dos sentimentos e emoções vividas por elas, assumem o ritual do cuidado pessoal, por necessitarem, a cada experiência, extrair constantemente o significado cultural que dele brota, para assim conseguirem transmitir à sociedade sua identidade e autoafirmação. |
O ritual que envolve cada etapa do embelezamento se configura numa espécie de aceno à sociedade de que a mulher com deficiência visual consegue dar vazão ao seu estilo, gostos e preferências através das suas escolhas, e que a deficiência é apenas uma circunstância e não um estado de espírito. |
Os resultados aqui discutidos parecem levar à constatação de que os deficientes visuais, apesar de suas limitações físicas, não deixam de criar, moldar, (res)significar e compartilhar impressões, sensações e ações em um grande contexto vivido no cotidiano, por meio de relações entre eles e com outros indivíduos, bem como com a sociedade como um todo. Ficou claro na análise dos discursos das entrevistadas que entender as experiências de consumo dos serviços de beleza e estética, levando em conta as relações sociais e culturalmente “talhadas” no dia no dia, implica atrelar aos significados dessas experiências as mais diversas e complexas dinâmicas de sociabilidades às quais elas se entrelaçam. |
É justamente nesse ponto que, frente ao que foi discutido anteriormente e caminhando para as considerações finais do trabalho, fazem-se necessárias algumas colocações. É relativamente comum, em fóruns de discussão sobre trabalhos que se debruçaram sobre |
questões simbólicas do consumo por meio do aporte da CCT, surgirem |
questionamentos sobre por que estudar separadamente os grupos sociais, se todos os indivíduos possuem os mesmos mecanismos de processamento de informação, são expostos aos mesmos meios de comunicação, vivem na mesma sociedade, entre outras. No caso deste trabalho, especificamente, seguindo esse raciocínio, uma possível indagação caminharia no sentido de questionar o que faria as deficientes visuais diferentes de outras mulheres, se todas elas tendem a adotar o mesmo comportamento frente aos serviços de beleza e estética. A resposta a isso parece encontrar respaldo em pelo menos dois pontos. Um deles tem a ver com a postura epistemológica do próprio pesquisador, que, ao considerar o interpretativismo como seu paradigma norteador, vai levar em conta que a realidade não é dada; pelo contrário, ela é socialmente construída. Complementarmente, do ponto de vista da CCT, mais do que ver a cultura como um sistema homogêneo de significados compartilhados coletivamente, a CCT explora a distribuição heterogênea dos significados e a multiplicidade de (ArNOULDe THOMPSON, 2005). Essa afirmação dos autores enfatiza que a criação e manipulação dos significados não são únicas, mas sofrem influência direta do contexto e principalmente da interação social (re)construída no cotidiano. |
5 Considerações finais |
Admitir que as mulheres com deficiência visual não se beneficiam |
do mundo visual seria o mesmo que afirmar que a construção de conhecimento e a retenção de informações ocorrem de maneira semelhante a todos os seres humanos. Sendo assim, não é escusado afirmar que, embora a deficiente visual não consiga enxergar o mundo por meio de seus olhos, elas o fazem por outros sentidos. É fato que 80% das informações recebidas pelo cérebro chegam pela visão, mas quem não enxerga preenche essa lacuna com outros sentidos, tornando-os mais apurados; por isso, muitos deficientes visuais são mais sensíveis ao calor, ao frio e percebem sons que são inaudíveis aos que enxergam. Para acessarem o mundo visual e romperem com a invisibilidade a que estão sujeitas, elas elegeram a busca pela beleza, como forma de |
autoafirmação, empoderamento e respeito diante de uma sociedade |
constituída pela supremacia da visão, que, sobretudo cultua a beleza. É certo que a beleza provoca os sentidos, proporciona prazer, dialoga com aquilo que é fascinante, encanta e atrai. Ser belo é ser admirado, agradável, terno e alvo de cobiça. |
A busca pelo belo, neste estudo, se traduz por meio do consumo de serviços de beleza e estética, que carregam em si vários significados e auxiliam na inclusão da esfera do consumo, algo que as fortalece para enfrentarem a indiferença da sociedade à realidade do deficiente visual. Ao acessarem os serviços de beleza e estética, estas mulheres acionam manifestações particulares da cultura do consumo, mantidas, transformadas e formatadas pelas forças históricas mais amplas (tais como narrativas culturais, mitos e ideologias) quanto específicas circunstâncias socioeconômicas e sistemas de mercado particulares (ArNOULD; THOMPSON, 2005). Não obstante, as mulheres com deficiência visual acreditam que a cada experiência de consumo, existe uma nova (res)significação de seus sentimentos e emoções de suas identidades, gostos e estilos que são (ou serão) vividos. |
Para elas, a questão que envolve a beleza e a estética acaba tornando-se precursora de categorias e de princípios culturais, que constituem o mundo culturalmente constituído, representando as distinções básicas que uma cultura usa para dividir o mundo dos fenômenos, enquanto os princípios culturais são as premissas básicas que permitem que todos os fenômenos culturais sejam distintos, classificados e inter-relacionados. Vale ainda considerar que o consumo de serviços de beleza e estética é uma espécie de credencial que habilita as mulheres com deficiência visual a externarem gostos e estilos próprios através das escolhas que realizam no âmbito da beleza (como cortes, cores, texturas etc.), fazendo ruir o estereótipo de “coitadas” ou “indefesas”, tornando-as visíveis a sociedade. Essas considerações reforçam a tese de que cada grupo social é singular na (re)construção e manipulação dos significados, ou seja, o mesmo produto ou serviço pode (e sempre tem) significados construídos social e culturalmente de forma diversa, não é possível enquadrar qualquer tipo de consumidor |
em um mesmo padrão ou modelo de comportamento. Essa constatação |
reforça a aposta teórica do estudo. |
Como a base dos estudos envolvendo a CCT considera que a construção e manipulação de significados não é única, mas sim diretamente influenciada por questões contextuais social e culturalmente construída no cotidiano, o trabalho parece dar sua contribuição ao trazer para investigação um grupo de indivíduos com características peculiares. Em um mundo altamente “visual”, no qual muitas das sensações estão não somente ligadas às cores, iluminação e efeitos visuais, mas também e principalmente ao que é belo e visivelmente agradável, a pesquisa buscou entender como são construídas as relações das pessoas que não possuem meios de ter “acesso” a todos esses efeitos envolvendo a beleza e estética, bem como o cuidado com o cabelo, com as unhas, com a pele, entre outras, assim como eles constroem o significado desse tipo de atividade em sua vida cotidiana e no relacionamento com amigos, parentes, vizinhos e entre os integrantes do grupo de deficientes. |
Em outras palavras, o trabalho parece se juntar a outras pesquisas conduzidas tanto no Brasil quanto no exterior, com a intenção de se entender grupos sociais específicos, tendo por base a construção social e culturalmente contextualizada dos significados. |
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Artigo recebido em: 16/11/2015 |
Aprovado em: 24/05/2016 |