O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde

Autores

  • Eugênio Vilaça Mendes

DOI:

https://doi.org/10.5020/18061230.2018.7839

Resumo

As condições de saúde podem ser caracterizadas como circunstâncias na saúde das pessoas que se apresentam de forma mais ou menos persistentes e exigem respostas sociais reativas ou proativas, episódicas ou contínuas e fragmentadas ou integradas dos sistemas de atenção à saúde, dos profi ssionais de saúde e dos usuários. A constatação de que a tipologia clássica de doenças transmissíveis e doenças crônicas não transmissíveis não é capaz de dar suporte à organização dos sistemas de atenção à saúde levou à proposta das condições de saúde, desenvolvida no fi nal dos anos 90 por acadêmicos ligados ao modelo de atenção crônica(1,2) e, depois, acolhida pela Organização Mundial da Saúde(3). Conhecer essas condições permite conhecê-las melhor e, assim, poder prevenir os possíveis agravos através de estratégias de promoção da saúde. O recorte da tipologia de condições de saúde faz-se a partir da forma como os profi ssionais, as pessoas usuárias e os sistemas de atenção à saúde se organizam para responder socialmente às demandas colocadas, se de forma reativa, episódica e fragmentada, ou se de forma proativa, contínua e integrada. Essa tipologia está orientada, principalmente, por algumas variáveis-chaves contidas no conceito de condição de saúde: a primeira relaciona-se ao tempo de duração da condição de saúde, breve ou longo; a segunda, a forma de enfrentamento pelos profi ssionais de saúde, pelo sistema de atenção à saúde e pelas pessoas usuárias - se episódica, reativa, fragmentada e feita com foco nas doenças e na queixa-conduta, ou, se contínua, proativa, integrada e realizada com foco nas pessoas e nas famílias por meio de cuidados, mais ou menos permanentes, contidos num plano de cuidado elaborado pela equipe de saúde e pelas pessoas usuárias conjuntamente. É preciso destacar que condição crônica não é igual à doença crônica. Todas as doenças crônicas (diabetes, doenças cardiovasculares, cânceres, doenças respiratórias crônicas, doenças musculoesqueléticas crônicas e outras) são condições crônicas. Mas esse conceito envolve também as doenças infecciosas persistentes (hanseníase, tuberculose, HIV/AIDS, certas hepatites virais e outras), as condições ligadas à maternidade e ao período perinatal (acompanhamento das gestantes e atenção perinatal, às puérperas e aos recém-natos); às condições ligadas à manutenção da saúde por ciclos de vida (puericultura, hebicultura e senicultura); aos distúrbios mentais de longo prazo; às defi ciências físicas e estruturais contínuas (amputações, cegueiras, defi ciências motoras persistentes e outras); às doenças metabólicas; às doenças bucais não agudizadas; e às condições de saúde caracterizadas como enfermidades (illnesses), que se referem ao modo como as pessoas percebem o seu adoecer, ou seja, a resposta subjetiva do indivíduo e/ou de sua rede de relações frente a uma determinada situação de adoecimento(4,5). O fracasso do modelo de atenção aos eventos agudos em responder a situações de saúde dominadas por condições crônicas levou, em diferentes países e em diversas instituições, a uma busca por modelos de atenção às condições crônicas. Surgiram,então, vários modelos de atenção às condições crônicas relatados na literatura internacional(6). Os modelos mais expressivos são o modelo de atenção crônica (CCM), o modelo seminal, e o modelo da pirâmide de risco (MPR). O CCM, proposto nos Estados Unidos da América(2), encontra um ambiente melhor de desenvolvimento em sistemas de atenção à saúde públicos e universais(7), e compõe-se de seis elementos, subdivididos em dois grandes campos: o sistema de atenção à saúde e a comunidade. No sistema de atenção à saúde, as mudanças devem ser feitas na organização da atenção à saúde, no desenho do sistema de prestação de serviços, no suporte às decisões, nos sistemas de informação clínica e no autocuidado apoiado. Na comunidade, as mudanças estão centradas na articulação dos serviços de saúde com os recursos da comunidade. Esses seis elementos apresentam inter-relações que permitem desenvolver pessoas usuárias informadas e ativas, e equipe de saúde preparada e proativa para produzir melhores resultados sanitários e funcionais para a população. O segundo modelo de grande impacto internacional, o modelo da pirâmide de riscos (MPR), assenta-se na estratifi cação dos riscos da população. Isto defi ne as estratégias de intervenção em autocuidado e em cuidado profi ssional. Por sua vez, o cuidadoprofissional, em função dos riscos, define a tecnologia de gestão da clínica a ser utilizada, se gestão da condição de saúde ou se gestão de caso(8). As evidências recolhidas na literatura internacional sobre os modelos de atenção à saúde e a singularidade do Sistema Único de Saúde (SUS) fizeram com que se desenvolvesse um modelo de atenção às condições crônicas (MACC) que pudesse ser aplicado ao sistema público de saúde brasileiro(9). A base do MACC é o CCM, mas esse modelo de origem foi expandido, com a incorporação de outros dois modelos, o MPR e o modelo da determinação social da saúde(10), para se adaptar às exigências de um sistema de atenção à saúde público e universal como o SUS. O MACC está construído em três colunas: numa coluna está a população total estratificada em subpopulações por estratos de risco; noutra coluna estão os diferentes níveis de determinação social da saúde: os determinantes intermediários, proximais e individuais; e na terceira estão os cinco níveis das intervenções de saúde sobre os determinantes e suas populações: intervenções promocionais (nível 1), preventivas (nível 2) e de gestão da clínica sobre as condições crônicas estabelecidas (níveis 3, 4 e 5). Especificamente em relação à sua aplicação na atenção primária à saúde, fez-se uma pesquisa avaliativa rigorosa no município de Santo Antônio do Monte, Minas Gerais, Brasil. A intervenção ocorreu de junho de 2013 a dezembro de 2014, focando em quatro grupos-alvo: indivíduos com hipertensão arterial, indivíduos com diabetes, mulheres grávidas e crianças menores de dois anos(11). Os resultados, tanto na pesquisa quantitativa quanto na qualitativa, foram muito positivos. Outra avaliação mostrou resultados positivos do MACC na organização em rede da atenção primária à saúde e da atenção ambulatorial especializada(12). Diante dessa importante temática, o presente número da Revista Brasileira em Promoção da Saúde - RBPS - traz, para complementar esse diálogo, três artigos originais relacionados às condições crônicas em diferentes contextos da Saúde Coletiva e seu impacto na vida dos pacientes. Os principais achados dessas pesquisas dão enfoque: na atividade física como meio de reduzir o risco cardiovascular em idosos hipertensos(13), na associação da deficiência de vitamina D e suas implicações nos pacientes com diabetes tipo 1(14), e por último, os sentimentos de rejeição, tristeza e angústia oriundos de uma gravidez indesejada ao grande impacto na vida psicológica de adolescentes(15). A RBPS cumpre, assim, uma vez mais, a função de trazer aos pesquisadores e aos leitores temas de grande valia e interesse científico na promoção da saúde.

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Publicado

2018-06-21

Como Citar

Mendes, E. V. (2018). O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde. Revista Brasileira Em Promoção Da Saúde, 31(2). https://doi.org/10.5020/18061230.2018.7839

Edição

Seção

Editorial