Sobre(vivência) da Violência: Os Rastros Silenciados da Ditadura Civil-Militar Brasileira

Autores

  • Gabriela Weber Itaquy Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
  • Edson Luiz André de Sousa Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

DOI:

https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v18iEsp.6442

Palavras-chave:

ditadura civil-militar, violência, transmissão, traumático, Comissão Nacional da Verdade

Resumo

A violência de Estado exercida ao longo do período da ditadura civil-militar brasileira deixou como consequência inúmeras marcas e não ditos sociais, além da produção de um trauma individual àqueles que sofreram diretamente com a violência imposta e com o desaparecimento dos seus familiares. Nessa via, ao adentrarmos no campo do traumático, tornou-se essencial aproximarmo-nos da história e do passado, sem ceder ao silenciamento imposto. Dessa forma, no referido artigo, buscou-se abrir espaços para demarcar o que não quer ser visto, ou lembrado, em uma sociedade, visando à apresentação de uma contra-história da ditadura civil-militar brasileira imersa em questionamentos e reflexões que permitam o vislumbrar de outro lugar, cercado de ressignificações, as vidas que foram silenciadas, torturadas, mortas e desaparecidas e, consequentemente, a sociedade brasileira. Diante desses objetivos, buscou-se como fio condutor de nossa reflexão o campo dos estudos utópicos na medida em que este propõe um método de leitura crítica da história, apontando seus mecanismos de repetição e, ao mesmo tempo, abrindo espaço para outras narrativas possíveis e que indicam um desejo de transposição. Dessa forma, visou-se identificar as contradições existentes no âmbito social, circunscrevendo assim um lugar de crise. Assim, nos aproximamos, nesse ponto, da proposta de Walter Benjamin de ler a história a contrapelo. Nessa via, retomaram-se os aspectos históricos da ditadura civil-militar, as violências, o campo do traumático e suas possíveis formas de transmissão. Em seguida, iniciou-se o processo de análise dos inúmeros não ditos sociais perpetrados no período ditatorial através da valorização da memória, dos restos e dos rastros. Em vias de conclusão, evidenciou-se as dificuldades da sociedade brasileira em se ocupar com o traumático imposto pelas violências exercidas na ditadura e as suas consequências na democracia e, assim, apontou-se a criação e a atuação da Comissão Nacional da Verdade como uma tentativa de inscrição de uma contra-história que valorize a narrativa e o testemunho daqueles que foram silenciados pelo traumático.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Gabriela Weber Itaquy, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Psicóloga graduada pelo Centro Universitário Franciscano - UNIFRA (2009). Especialista em Atendimento Clínico com ênfase em Psicanálise pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012) e Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2015), bolsista CAPES (2013- 2015). Membro do LAPPAP - Laboratório de Pesquisa em Psicanálise Arte e Política. Atualmente é Psicóloga da Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Sul e atua como Psicóloga Perita no Judiciário do RS. Tem experiência nos seguintes temas: violência, vulnerabilidade social, clínica, psicanálise, política e arte.

Edson Luiz André de Sousa, Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1984), especialização em filosofia pelo PPG Filosofia - UFRGS, mestrado em Psicanálise e Psicopatologia - Universite de Paris VII - Universite Denis Diderot (1989) e doutorado em Psicanálise e Psicopatologia - Universite de Paris VII - Universite Denis Diderot (1993). Analista membro da Associação Psicanalitica de Porto Alegre. Atualmente é professor titular do departamento de psicanálise e psicopatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFRGS) Pos Graduação em Psicanalise - Clinica e Cultura (UFRGS), Professor do Pos Graduação em Psicologia Social e Institucional (UFRGS). Coordena junto com Maria Cristina Poli o LAPPAP - Laboratorio de Pesquisa em Psicanálise, Arte e Politica/UFRGS Tem desenvolvido trabalhos em torno da articulação psicanálise e arte e também pesquisado o tema das utopias.Membro do GT Psicanalise: Politica e Cultura, Membro da Associação Univesitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental, Membro do LIPIS - Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social (PUC-RJ), Membro do Grupo de Pesquisa Sujeito, Sociedade e Política (USP), Membro da Rede de Pesquisa Escritas da Experiência (UERJ), Pesquisador do grupo Outrarte - estudos entre arte e psicanálise - Instituto de Estudos da Linguagem - UNICAMP, Membro do GT Literatura e Utopia - UFAL, ,Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Direitos Humanos, Democracia, Política e Memória do Instituto de Estudos Avançados (IEA- USP), Membro da Utopian Studies Society (Europe), Membro correspondente do grupo de pesquisa Pândora - Psychanalyse et Art - Université de Paris VII (França), Membro do Nucleo de Pesquisa em Psicanálise e Cinema-UFRGS, Professor visitante em 2006 da Deakin University - Melbourne . Professor visitante em 2007 do 17, Instituto de Estudos Criticos - Cidade do Mexico. Pesquisador visitante na DePaul University - Chicago em abril de 2012, Pós-doutorado em Paris 2009-2010 na Université de Paris VII (Université Denis Diderot) e na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS)

Referências

Adorno, T. W. (1995). Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Arantes, M. A. A. C. (2008). Dor e desamparo: filhos e pais, 40 anos depois. Psicol. clin. [online], 20(2), 75-87.

Arantes, M. A. A. C. (2009a). O Comitê Brasileiro pela anistia de São Paulo (CBA/SP): memórias e fragmentos. In R. Haike e K. Silva (Orgs.), A Luta Pela Anistia (pp. 83-89). Editora UNESP: Arquivo Público do Estado de São Paulo: Imprensa Oficial do estado de São Paulo.

Arantes, M. A. A. C. (2009b). Violência, massacre, tortura e desaparecimento forçado. Recuperado de http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2009/06/Trabalho_Maria_ Auxiliadora_Arantes.pdf

Baümer, A., Trahtenberg, A. R. C., & Kahl, M. L. F. (2005). Transgeracionalidade: A patologia da transmissão psíquica entre gerações. Revista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre, 7(2), 369-394.

Benjamin, W. (1987a). Escavando e lembrando. In W. Benjamin, Rua de Mão única. (pp. 239-240) São Paulo: Brasiliense. (Originalmente publicado em 1932).

Benjamin, W. (1987b). Imagens do Pensamento. In W. Benjamin, Rua de Mão Única. (pp. 143-277). São Paulo: Brasiliense.

Benjamin, W. (1985a). Experiência e pobreza. In W. Benjamin, Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 114-119). São Paulo: Brasiliense (Originalmente publicado em 1933).

Benjamin, W. (1985b). O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov In W. Benjamin, Magia, técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 197-221). São Paulo: Brasiliense (Originalmente publicado em 1936).

Benjamin, W. (1985c). Sobre o conceito da história. In W. Benjamin, Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (pp. 222-232). São Paulo: Brasiliense. (Originalmente publicado em 1940).

Blanchot, M. (1987). O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco.

Blanchot, M. (2004). O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes.

Bloch, E. (2005). O princípio esperança (Vol. 1). Rio de Janeiro: EdUERJ: Contraponto.

Brasil. Comissão Nacional da Verdade. (2014a). Relatório (Vol. 1). Brasília: CNV. Recuperado de http://www.memoriasreveladas.gov.br/administrator/components/com_simplefilemanager/uploads/CNV/relat%C3%B3rio%20cnv%20volume_1_digital.pdf

Brasil. Comissão Nacional da Verdade. (2014b). Relatório: textos temáticos (Vol. 2). Brasília: CNV.

Brasil. Comissão Nacional da Verdade. (2014c). Relatório: Mortos e desaparecidos políticos. (Vol. 3). Brasília: CNV.

Buarque, C. (1978). Chico Buarque [LP]. Polygram/Philips: Rio de Janeiro.

Calirman, C. (2013). Arte brasileira na ditadura militar: Antonio Manuel, Artur Barrio e Cildo Meireles. Rio de Janeiro: Reptil.

Carvalhal, A. P. (2014). Observatório Constitucional: Corte Interamerica decide pela vinculação de sua jurisprudência. Retirado de http://www.conjur.com.br/2014-set-27/observatorio-constitucional-corte-interamericana-decide-vinculacao-jurisprudencia

Coimbra, C. (2010). Direitos Humanos, terrorismo de Estado, reparações. Correio da APPOA, 196, 21-29.

Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região (Org.). (2012). Psicologia e o Direito à Memória e à Verdade. São Paulo: CRPSP.

Costa, A. (2011). Rupturas na transmissão. Trivium, 3, 26-33.

Cunha, L. C. (2014). Por que os generais não imitam a Rede Globo. Retirado de https://www.sul21.com.br/em-destaque/2014/01/porque-os-generais-nao-imitam-rede-globo/

Didi-Huberman, G. (2013). Cascas. Revista Serrote, 13, 99-133.

Endo, P. (2005). A Violência no Coração da Cidade: Um Estudo Psicanalítico. São Paulo: Escuta/Fapesp.

Endo, P. (2011). Um futuro sem origem: transmissão, autoridade e violência. In Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Org.), Autoridade e violência (pp. 68-84). Porto Alegre: APPOA.

Ferreira, A. B. H. (2010). Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo.

Gagnebin, J. M. (2006). Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Ed. 34.

Gagnebin, J. M. (2000). Palavras para Hurbinek. In A. Nestrovsky e M. Seligmann-Silva (Orgs.), Catástrofe e representação (pp. 73-98). São Paulo: Escuta.

Jameson, F. (1997). As sementes do tempo. São Paulo: Ática.

Kehl, M. R. (2010). Tortura e sintoma social. In E. Teles & V. Safatle (orgs.), O que resta da ditadura (pp.123-132). Editora: Boitempo, São Paulo.

Kehl, M. R. (2011). Mulher ou militante. Carta Capital, 660, 84-87.

Kehl, M. R. (2012). O veredicto de Geraldo Alckiman: o governador de SP usa a mesma retórica dos matadores da ditadura. Recuperado de http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/66471-o-veredicto-de-geraldo-alckmin.shtml

Lacan, J. (2008). O Seminário, livro 16: De um Outro ao outro (1968-69). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Levi, P. (1988). É isto um homem? Rio de Janeiro: Rocco.

Lisboa, S. (2004). Seria chover no molhado, se o molhado não fosse sangue. In O. Biz (Org.), Sessenta e quatro: para não esquecer (pp. 159-163). Porto Alegre: Literalis.

Moylan, T., & Baccolini, R. (Orgs). (2007). Utopia Method Vision: The Use Value of Social Dreaming. Bern: Peter Lang.

Oropeza, I. (2012) Memória e direitos humanos: algumas considerações acerca das experiências das Comissões da Verdade. In Conselho Regional De Psicologia Da 6ª Região (Org). Psicologia e o Direito à Memória e à Verdade (pp. 15-22). São Paulo: CRPSP.

Portal do Planalto (2012). Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na cerimônia de instalação da Comissão da Verdade. Recuperado de http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos/discursos-da-presidenta/discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-cerimonia-de-instalacao-da-comissao-da-verdade-brasilia-df

Rosa, M. D. (2002). Uma escuta psicanalítica das vidas secas. Textura (São Paulo), 2(2), 42-47.

Safatle, V., & Teles, E. (Orgs.). (2010). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo.

Soler, C. (2004). Trauma e fantasia. Stylus: Revista de Psicanálise, 9, 45-59.

Sousa, E., & Tessler, E. (2004). Violência sem disfarce. Correio da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, 126, 5-10.

Sousa, E. (2007). Uma invenção da utopia. São Paulo: Lumme Editora.

Sousa, E. (2010). Caixa-Preta. Correio da APPOA, 196, 21-29.

Tavares, F. (2005). Memórias do Esquecimento: os segredos dos porões da ditadura. Rio de Janeiro: Editora Record.

Ventura, Z. (1988). 1968: o ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Downloads

Publicado

11.07.2018

Como Citar

Itaquy, G. W., & Sousa, E. L. A. de. (2018). Sobre(vivência) da Violência: Os Rastros Silenciados da Ditadura Civil-Militar Brasileira. Revista Subjetividades, 18(Esp), 121–133. https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v18iEsp.6442

Edição

Seção

Edição Especial: A psicanálise e as formas do político

Artigos mais lidos pelo mesmo(s) autor(es)